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sábado, 16 de dezembro de 2017

Monteiro Lobato: A menina do narizinho arrebitado (1920) e Narizinho Arrebitado (1921)

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Google Fotos: Monteiro Lobato
A menina do narizinho arrebitado foi o primeiro livro infantil publicado pelo escritor brasileiro Monteiro Lobato, em dezembro de 1920, pela editora Monteiro Lobato & Cia. O livro foi incorporado posteriormente, em 1931, no livro As reinações de Narizinho

Em A menina do narizinho arrebitado, Monteiro Lobato apresenta pela primeira vez seus personagens do Sítio do Picapau Amarelo que se consagrariam posteriormente: a garota Lucia (ou Narizinho Rebitado), sua boneca de pano Emília, sua avó de 70 anos (que nesse primeiro livro ainda não tem nome) e a cozinheira Tia Anastácia. É interessante notar que nesse primeiro livro a boneca Emília ainda não fala, diferente de edições posteriores do mesmo livro e de outros livros com a personagem. 

Monteiro Lobato republicou a história em duas partes na sua "Revista do Brasil", nas edições de janeiro e fevereiro de 1921, logo após seu lançamento com livro em dezembro de 1920. Na revista a história foi publicada com o título "Lucia ou A menina do narizinho arrebitado". O livro foi um sucesso em sua primeira edição e isso empolgou o editor Monteiro Lobato. Por essa razão, ele reescreveu o livro, acrescentando muitas novas histórias (o número de páginas aumentou para 181, ante 43 da edição original). Assim, a boneca Emília começa a falar após tomar uma pílula do Doutor Caramujo e a avó de Narizinho ganha um nome, Dona Benta. 

Enquanto a obra original era cheia de ilustrações coloridas (o subtítulo da obra era "Livro de Figuras"), a nova edição ampliada era de um custo menor, sem gravuras coloridas e em papel jornal. Isso se deve porque Monteiro Lobato decidiu alcançar o público escolar, um dos maiores consumidores de livros infantojuvenis. O livro foi lançado em abril de 1921 com um novo título simplificado Narizinho Arrebitado e subtítulo "Segundo livro de leitura para uso das escolas primárias". Com a publicação de Narizinho Arrebitado, Monteiro Lobato arriscou como editor, já que, ao invés de imprimir os 5 ou 10 mil exemplares que já seria uma tiragem alta para a época, ele imprimiu 50.500 exemplares! Ele distribuiu 500 cópias para as escolas paulistas e o livro fez sucesso entre os alunos. Quando o governador do estado, Washington Luís, visitou algumas escolas e ficou impressionado com o interesse das crianças no título, solicitou a seu Secretário do Interior, Alarico Silveira, que entrasse em contato com o escritor e comprasse o livro para todas as escolas paulistas. Quando Lobato perguntou ao secretario a quantidade, ele brincou dizendo que queria uns 30.000! Qual foi a surpresa em receber posteriormente seu pedido completinho!

Na história, a menina orfã Lucia, cujo apelido é Narizinho Rebitado, vive num sítio com sua avó de setenta anos e uma empregada chamada Tia Anastácia. Ela tem uma boneca de pano "muito feiosa" chamada Emília. No fundo do quintal do sítio passa um ribeirão e é próximo a esse ribeirão que Lucia costuma tirar uma soneca. Certo dia, ela acorda de sua soneca e vê um peixe e um inseto conversando em cima de seu rosto. Ela descobre se tratar do Doutor Caramujo e do Príncipe Escamado, do Reino das Águas Claras. O príncipe convida Narizinho e sua boneca Emilia para conhecer o reino e lá elas vivem várias aventuras, inclusive com o Pequeno Polegar e a chata Dona Carochinha. Mas no final, ao escutar Tia Anástacia gritando seu nome, Narizinho descobre que tudo não passou de um sonho...

Na segunda parte adicionada, a história inicia com Narizinho e Emília chupando jabuticabas numa tarde. Sem querer, Narizinho acaba colocando na boca uma jabuticaba que tinha uma vespa dentro e leva uma ferroada na língua. Desesperada com a dor, Narizinho acaba esquecendo a boneca debaixo da árvore, que acompanha a morte e o enterro da vespa. Posteriormente, Narizinho dá a falante boneca Emília o título de Condessa de Três Estrelinhas e ambas recebe um convite da Rainha das Abelhas para visitar o seu reino. Ela e Narizinho visitam o mundo dos insetos, mas novamente no final Lobato termina escrevendo que tudo não passou de um sonho da menina.

Posteriormente, quando Monteiro Lobato percebeu que estava criando um novo mundo onde fantasia e realidade se misturavam plenamente, ele abandonou a ideia de que todas as aventuras fantasiosas no Reino das Águas Claras e no Reino das Abelhas fossem sonhos da menina, passando a indicar que toda a aventura aconteceu realmente para a menina e a boneca. Mais tarde, quando Monteiro Lobato incorporou a maioria de seus livros infantis da década de 1920 e começo da década de 1930 num só livro chamado As reinações de Narizinho (1931), a história de A menina do narizinho arrebitado passou a ser o capítulo "Narizinho Arrebitado", enquanto que a segunda parte publicada na edição escolar Narizinho Arrebitado passou a ser o capítulo "O Sítio do Picapau Amarelo". Apesar de ter uma participação insignificante, na segunda parte de Narizinho Arrebitado Lobato apresentou um novo personagem no universo que estava começando a criar: Pedrinho, outro neto de Dona Benta, um garoto de dez anos que vive na cidade grande e que viria passar as férias escolares no Sítio do Picapau Amarelo.


A menina do narizinho arrebitado: Livro de figuras. Monteiro Lobato. Editora Metal Leve (São Paulo-SP), edição fac-símile. 1982. Capa e ilustrações internas de Voltolino (Lemmo Lemmi). Contém no final da edição o ensaio "Monteiro Lobato e o direito de sonhar", por Francisco de Assis Barbosa.
A menina do narizinho arrebitado: Livro de figuras. Monteiro Lobato. Editora Metal Leve (São Paulo-SP), edição fac-símile. 1982. Capa e ilustrações internas de Voltolino (Lemmo Lemmi). Contém no final da edição o ensaio "Monteiro Lobato e o direito de sonhar", por Francisco de Assis Barbosa.

A menina do narizinho arrebitado. Monteiro Lobato. Companhia Editora Nacional (São Paulo-SP). 1928 (5ª edição). Ilustrações de Voltolino (Lemmo Lemmi).
A menina do narizinho arrebitado. Monteiro Lobato. Companhia Editora Nacional (São Paulo-SP). 1928 (5ª edição). Ilustrações de Voltolino (Lemmo Lemmi).

A menina do narizinho arrebitado: Livro de figuras. Monteiro Lobato. Editora Monteiro Lobato & Cia (São Paulo-SP). 1922 (2ª edição). Capa e ilustrações de Voltolino (Lemmo Lemmi).
A menina do narizinho arrebitado: Livro de figuras. Monteiro Lobato. Editora Monteiro Lobato & Cia (São Paulo-SP). 1922 (2ª edição). Capa e ilustrações de Voltolino (Lemmo Lemmi).

Narizinho Arrebitado: Segundo livro de leitura para uso das escolas primárias. Monteiro Lobato. Editora Monteiro Lobato & Cia (São Paulo-SP). Abril de 1921. Capa e ilustrações de Voltolino (Lemmo Lemmi).
Narizinho Arrebitado: Segundo livro de leitura para uso das escolas primárias. Monteiro Lobato. Editora Monteiro Lobato & Cia (São Paulo-SP). Abril de 1921. Capa e ilustrações de Voltolino (Lemmo Lemmi).

A menina do narizinho arrebitado: Livro de figuras. Monteiro Lobato. Editora Monteiro Lobato & Cia (São Paulo-SP). Dezembro de 1920. Capa e ilustrações de Voltolino (Lemmo Lemmi).
A menina do narizinho arrebitado: Livro de figuras. Monteiro Lobato. Editora Monteiro Lobato & Cia (São Paulo-SP). Dezembro de 1920 (1ª edição). Capa e ilustrações de Voltolino (Lemmo Lemmi).

"Naquella casinha branca, - lá muito longe, móra uma triste velha, de mais de setenta anos. Coitada! Bem no fim da vida que está, e tremula, e catacega, sem um só dente na bocca - jururú... Todo o mundo tem dó d'ella: - Que tristeza viver sozinha no meio do mato... Pois estão enganados. A velha vive feliz e bem contente da vida, graças a uma netinha órfã de pae e mãe, que lá mora des'que nasceu. Menina morena, de olhos pretos como duas jaboticabas - e reinadeira até alli!... Chama-se Lucia, mas ninguem a trata assim. Tem appellido. Yayá? Nenê? Maricota? Nada disso. Seu appellido é "Narizinho Rebitado", - não é preciso dizer porque. Além de Lucia, existe na casa a tia Anastacia, uma excellente negra de estimação, e mais a Excellentissima Senhora Dona Emilia, uma boneca de panno, fabricada pela preta e muito feiosa, a pobre, com seus olhos de retroz preto e as sombrancelhas tão lá em cima que é ver uma cara de bruxa."
[trecho inicial de "A menina do narizinho arrebitado", 1920, preservando a grafia original] 


Fonte das imagens das capas:

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