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sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Monteiro Lobato: Narizinho Arrebitado (1921)

Fichamento por: Daniel Medeiros Padovani, 27/09/2024.
Narizinho Arrebitado é um romance infantil de fantasia do escritor brasileiro Monteiro Lobato, publicado originalmente no Brasil em abril de 1921 pela editora Monteiro Lobato & Cia. Trata-se de uma edição ampliada (segunda e terceira parte) de seu livro anterior, A menina do narizinho arrebitado (1920). Posteriormente, as histórias foram reescritas e incorporadas ao livro As reinações de Narizinho (1931). | Álbum de Capas do Autor |

Durante um sonho, Lúcia, a menina do narizinho arrebitado, viaja com sua boneca de pano Emília para o Reino das Águas Claras, um lugar encantado debaixo do ribeirão do sítio de sua avó, onde vive os mais encantadores personagens como Príncipe Escamado, Dona Aranha Costureira, Doutor Caramujo e o Major Agarra. Em meio a um lindo baile palacial, eles terão que enfrentar o terrível Escorpião Negro. Em outro sonho, Narizinho viaja para o Reino das Abelhas, mas no caminho terá que enfrentar o assaltante Tom Mix.

Narizinho Arrebitado | Monteiro Lobato | Editora: Monteiro Lobato & Cia | Abril 1921 |Narizinho Arrebitado | Monteiro Lobato | Editora: Monteiro Lobato & Cia | Abril 1921 | Contracapa |
Narizinho Arrebitado | Monteiro Lobato | Editora: Monteiro Lobato & Cia | Abril 1921 | Capa: Voltolino | Ilustrações: Voltolino (Lemmo Lemmi) | 
Nota: Segundo livro de leitura para uso das escolas primárias (do estado de São Paulo).
 
Outras informações:

Personagens do Sítio de Dona Benta:
| Lúcia "Narizinho Arrebitado " | Emília (boneca de pano de Lúcia) | Benta de Oliveira (avó de Narizinho) | Anastácia | leitão rabicó | 

Personagens do Reino das Águas Claras:
| Escamado (peixe, princípe do Reino das Águas Claras) | Cascudo (besouro) | Agarra-e-Não-Larga-Mais (sapo, porteiro do palácio) | Gafanhoto (capitão do palácio) | grilos (soldados do palácio) | Camarão (cocheiro do palácio) | Caramujo (médico) | bagres (pacientes do hospital) | baratas (pacientes do hospital) | Louva-a-Deus (frei) | mosquito (coroinha) | Serra-Pau (farmacêutico) | rã (assassina da família de baratas) | Grilo (mensageiro do palácio) | saúvas (arrumadeiras do palácio) | Caranguejo (cozinheiro do palácio) | gafanhotos (servos da cozinha) | cigarras (músicos do palácio) | piuns (músicos do palácio) | pernilongos (músicos do palácio) | Sabiá-do-Campo (pássaro, aestro do palácio) | tangarás (dançarinos do palácio) | Papagaio (orador do palácio) | Lagartixa (poetisa do palácio) | vagalumes (mágicos do palácio) | Carlito Pirulito (caruncho, bobo do palácio) | Aranha (costureira do palácio) | formigas (auxiliares de Dona Aranha) | barata | besoura | abelhas | moscas | rãs | mães d'água | camundongos | borboletas | maripozas | mamangavas | peoixes | caranguejos | camarões | mariscos | caramujos | cágado | canários | pintasilgos | papacapins | corruíras | viuvinhas | taturana | libelinhas (dançarinas) | Escorpião Negro (inimigo do príncipe) | 

Outros personagens:
| Tom Mix | 

Locais:
| casa branca de Dona Benta | ribeirão | Reino das Águas Claras | Pedras Redondas (capital do Reino das Águas Claras) | palácio | sala do governo | hospital | enfermaria | sala de jantar do palácio | ateliê de Dona Aranha | salão do palácio | jardim do palácio | Toca Preta | Pedra Branca | 

Reinações de Narizinho:
    A primeira parte de Narizinho Arrebitado equivale, com algumas alterações, ao livro anteriormente publicado por Monteiro Lobato, A menina do narizinho arrebitado. Posteriormente, Monteiro incorporou essa história como a primeira parte do livro As reinações de Narizinho, publicado em 1931, com o título de "Narizinho arrebitado".
    Em As reinações de Narizinho, Monteiro Lobato reescreveu vários pequenos livros que ele publicou na década de 1920, integrando-os como volume único. Para Reinações de Narizinho, Lobato excluiu o capítulo que se passa no hospital, por exemplo. Além disso, foi abandonado toda a ideia relacionado ao inimigo Escorpião Negro e as conspirações contra o Príncipe Escamado, alterando o antagonismo para Dona Carochinha, a contadora de histórias, incluindo a fuga do Pequeno Polegar de suas histórias (vide o novo capítulo "O bobinho", de Reinações de Narizinho). Um grande acréscimo a Reinações de Narizinho foi o capítulo "A pílula falante", onde com a ajuda das pílulas do Doutor Caramujo, a boneca de pano Emília começa a falar. Também, nesse capítulo, as aventuras no Reino das Águas Claras passa a ser real na cronologia da narrativa, já que quando Tia Nastácia chama Narizinho, a voz da personagem é escutada pelos personagens que estão no Reino das Águas Claras e Narizinho volta ao Sítio do Picapau Amarelo com a agora falante boneca Emília, causando espanto nas duas idosas. Tanto A menina do narinzinho arrebitado (1920) quanto Narizinho Arrebitado (1921) terminam informando que toda aventura de Narizinho no Reino das Águas Claras foi apenas um sonho.
     Em relação a segunda e terceira parte de Narizinho Arrebitado, Monteiro Lobato as reescreveram com a segunda parte de Reinações de Narizinho, com o título "Sítio do Picapau Amarelo". Assim como ocorreu com a primeira parte de Narizinho Arrebitado, no final da terceira parte é mencionado novamente que as novas aventuras de Narizinho foram apenas outro sonho. Para Reinações de Narizinho, alguns dos capítulos, como "As histórias de Dona Benta" e "Artes de Rabicó", foram excluídos. Outro capítulo excluído foi "O Pichocho", a respeito da morte do pai de Pedrinho, tio Antônio, tornando o menino órfão de pai e mãe, assim como sua prima Narizinho, também apresentada como órfã em A menina do narizinho arrebitado e Narizinho Arrebitado. Em Reinações de Narizinho, Pedrinho é apresentado como neto de Dona Benta, filho de Antonica, que mora na cidade e vem passar as férias escolares no sítio da avó. 

Edição Escolar:
        Enquanto A menina do narizinho arrebitado era um livro grande e cheio de ilustrações coloridas (o subtítulo da obra era "Livro de Figuras"), Narizinho Arrebitado era de tamanho menor em papel de qualidade inferior e ilustrações em preto-e-branco. Isso se deve porque Monteiro Lobato decidiu alcançar o público escolar, um dos maiores consumidores de livros infantojuvenis, lançando assim essa edição escolar, com o subtítulo "Segundo livro de leitura para uso das escolas primárias". 
    Com a publicação de Narizinho Arrebitado, Monteiro Lobato arriscou como editor, já que, ao invés de imprimir os 5 ou 10 mil exemplares que já era uma tiragem alta para a época, ele imprimiu 50.500 exemplares! Ele distribuiu gratuitamente 500 cópias para as escolas paulistas e o livro fez sucesso entre os alunos. Quando o governador do estado, Washington Luís, visitou algumas escolas e ficou impressionado com o interesse das crianças no título, solicitou a seu Secretário do Interior, Alarico Silveira, que entrasse em contato com o escritor e comprasse o livro para todas as escolas paulistas. Quando Lobato perguntou ao secretario a quantidade, ele brincou dizendo que queria uns 30.000. Provavelmente, ficou surpreso ao receber seu pedido integralmente. 
    Sobre isso, Monteiro Lobato conta em seu livro Prefácios e Entrevistas (1947): 
"Cheguei a tirar uma edição de 50.500 exemplares de Narizinho arrebitado, isto, é claro, por mera inexperiência, pois um editor, por maior confiança que tenha num livro, nunca se arrisca a tamanha loucura; vai fazendo tiragens sucessivas de dez mil, para economia de espaço no depósito, para evitar empate de capital, por mil coisas. Mas a nossa inexperiência nos levou a esse absurdo, que nunca mais foi repetido, nem por nós nem por outro editor. Há, todavia, um deus para os bêbados e outro para os inocentes. O deus dos inocentes premiou a nossa inocência com um autêntico milagre: a tal edição monstro esgotou-se em oito ou nove meses! (...) Pois só o governo de São Paulo adquiriu trinta mil narizes. (...) O doutor Washington Luís estava na presidência de São Paulo. Um belo dia saiu a correr os grupos escolares em companhia do secretário Alarico Silveira. De escola em escola, notou que em todas elas havia um livrinho de leitura, extraprograma, muito sujinho e surrado. Era justamente o meu Narizinho. Os quinhentos exemplares a mais dos cinquenta mil eu os havia tirado em papel melhor e mandado de presente a todos os grupos e escolas do estado. E como fossem absoluta novidade, a criançada atirou-se a eles e os leu à moda das crianças – escangalhadamente. O doutor Washington fez ao seu secretário a seguinte observação: “Se este livro anda assim em tantos grupos, é sinal de que as crianças gostam dele. Indague de quem é e faça uma compra grande, para uso em todas as escolas”. No dia seguinte Alarico me telefonou pedindo que passasse pela Secretaria. Lá me contou das visitas da véspera e da opinião do presidente. Depois: 'Quantos exemplares desse livro pode você vender ao governo?'. Uma pergunta assim à queima-roupa a um editor que está atrapalhado com a maior avalanche nasal da sua vida é coisa de estontear. Pisquei sete vezes e respondi: 'Quantos quiser, Alarico. Temos narizes a dar com pau. Posso fornecer cinco mil, dez mil, vinte mil, trinta mil...'. Alarico pensou que fosse brincadeira e, para pilhar-me, disse: 'Pois mande trinta mil ao almoxarifado'. Veio nesse momento o café, mudamos de assunto e logo depois saí. Quando no dia seguinte o almoxarifado recebeu os trinta mil narizes, houve alarme por lá. Telefonaram ao secretário, o qual também me telefonou. 'Lobato, então era verdade a história dos trinta mil?' 'Claro, Alarico! Onde se viu blefar para cima de um secretário de estado como você?' E ele: 'Pois só agora depois da telefonada do almoxarifado é que estou acreditando'. (...) Em oito meses lá se foi toda a edição e deixou um grande lucro. Esse dinheiro caído do céu muito contribuiu para o reforço do capital da nossa editora, a qual nunca mais parou de crescer. Cresceu tanto que um dia tropeçou e lá quebrou o nariz. Mas ergueu-se logo em seguida, de nome mudado. Virou a Companhia Editora Nacional, essa grande empresa hoje do meu velho companheiro Otales Marcondes Ferreira – a maior do Brasil e uma das maiores da América do Sul."

Conteúdo (ortografia atualizada): 
O livro é dividido em três partes, subdividas em 38 capítulos.
Primeira Parte
 1 | Narizinho
 2 | A soneca 
 3 | O espirro
 4 | Águas Claras 
 5 | O castigo do sapo
 6 | No palácio 
 7 | A enfermaria 
 8 | No palácio real
 9 | D. Aranha Costureira
10 | O baile
11 | O Escorpião Negro 
12 | A coragem da Emília
13 | Depois da festa 
14 | Uma operação do Dr. Caramujo
15 | A festa veneziana 
16 | A conspiração
17 | O castigo
Segunda Parte
 1 | Tempo de jabuticaba
 2 | O enterro da vespa
 3 | A pescaria da Emília
 4 | As formiguinhas
 5 | Pedrinho Pichochó
 6 | O presento de pernilongo
 7 | Os croquetes
 8 | As histórias de Dona Benta
 9 | O Pichochó
10 | O monjolinho
11 | Artes do Rabicó
Terceira Parte
 1 | No reino das abelhas
 2 | O assalto 
 3 | Tom Mix 
 4 | As muletas do besouro
 5 | Saudades
 6 | O perdão 
 7 | A colmeia
 8 | A rainha
 9 | A volta 
10 | Tudo acaba bem

Revista do Brasil:
O livro foi publicado em abril de 1921, mas os capítulos "O enterro da vespa", "A pescaria da Emília" e "As formiguinhas" foram apresentados anteriormente na edição de janeiro de 1921 da Revista do Brasil (N° 61), enquanto os capítulos "A colmeia" e "A rainha" foram publicados na edição de fevereiro de 1921 da Revista do Brasil (N° 62).

Citações (ortografia atualizada):
"Naquela casinha branca, lá muito longe, mora Dona Benta de Oliveira, uma velha de mais de sessenta anos.
- Coitada! dizem todos que passam por lá. Que tristeza viver assim sozinha no meio do mato...
Pos estão enganados. A velha vive muito feliz e bem contente da vida, graças a uma netinha órfã de pai e mãe, que lá mora desde que nasceu. Menina morena, de olhos pretos como duas jabuticabas - e reinadeira até ali!... Chama-se Lúcia, mas ninguém a trata assim. Lúcia tem um apelido. Iaiá? Nenê? Maricota? Nada disso. O apelido dela é Narizinho Arrebitado, não sendo preciso dizer porque.
Além de Lúcia existe na casa a tia Anastácia, uma excelente negra de estimação, e a Excelentíssima Senhora Emília, uma beneca de pano, fabricada pela preta e muito feiosa, a pobre, com seus olhos de retroz preto e as sombrancelhas tão lá em cima que é ver uma cara de bruxa." (p. 3-4)

"Narizinho sentiu uma alegria imensa e, toda perturbada, ia responder, quando uma voz conhecida a despertou:
- Narizinho, vovó está chamando!
A menina sentou-se na relva, esfregou os olhos, viu o ribeirão a deslizar como sempre e lá na porteira a tia velha de lenço amarrado na cabeça.
Que pena! Tudo aquilo não passara dum lindo sonho..." (p. 65)

"Era um capataz do tio Antônio, que vinha trazer a notícia da sua morte e uma carta.
A velha, depois de enxugar uma lágrima, arrumou os óculos no nariz e leu a carta do falecido, que lhe pedia para criar o Pedrinho, um órfão de oito anos sem outro amparo na vida a não ser ela." (p. 117)

"Narizinho, horrorizada com a feiura da velha, fechou os olhos. Depois, começou a abri-los, devagarinho. E viu a Anastácia a olhar para ela e a dizer: 
- Acorda, menina! Parece que está com pesadelo...
Narizinho sentou-se na cama, esfregando os olhos.
- E vovó? perguntou.
- Está lá dentro.
- E Pedrinho?
- Está no quintal.
- E... Tom Mix?
- Deixe de bobagem de falar inglês, menina, e venha tomar seu cafezinho, que está esfriando na mesa...
Que pena! Era sonho outra vez..." (p. 181)

Fontes:
  • LOBATO, Monteiro. Lucia ou A menina do narizinho arrebitado. In: Revista do Brasil, v. XVI, n. 61, janeiro 1921.
  • LOBATO, Monteiro. Lucia ou A menina do narizinho arrebitado. In: Revista do Brasil, v. XVI, n. 62, fevereiro 1921.
  • LOBATO, Monteiro. Narizinho Arrebitado. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia, 1921.
  • LOBATO, Monteiro. Prefácios e Entrevistas. São Paulo: Globo, 2009.
  • LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. São Paulo: Globo, 2010.

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